domingo

Work in Progress


TERRAMOTO (S)
Falar de terramotos de hoje?
Neste momento estamos a fazer o levantamento de algumas cenas através da improvisação. Materiais: um actor e duas bailarinas/ um espaço vazio/ O Guião. No princípio era o verbo; pois o nosso princípio foi o corpo, os corpos, aqueles que observamos na rua e que são poéticos e eternos. Os fenómenos (terramotos interiores, vulcões, massas de terra, ataques de epilepsia); a concretização de uma sinal perceptível universalmente, tradução em vinte segundos da unidade humana. PONTO 1: O Big Bang. Como farias tu um Big Bang? O bico de gás ficou aceso toda a noite, e na manhã seguinte, apetece-te um cigarro, procuras e isqueiro no bloso e... BOOOOOOOOOUM!
A matéria e os seus milhões de átomos reuniram-se e incharam o Universo e... BOOOOOOOOUM!
Abriu-se a porta do metro, vejo-te e o meu coração estremece, toda o meu rosto deseja ser sugado por ti, és linda mas... BOOOOOOOUM! O Vulcão dos Capelinhos desabafou há 50 anos atrás, ela estava na cozinha e, sem saber o que dizer ao marido, BOOOOOOUM! A temática do Big Bang, do Início, foi algo que exploramos através de sonoridades, evocações e situações em que ouvimos (fora ou dentro de nós) este BOOOOOOOUM ensurdecedor e revelador. O que ao princípio foi um ataque de pânico e histeria (necessidades talvez de desbloquear ou então de activar o mecanismo da improvisação), deu forma e consistência a este princípio sonoro que todos nós entendemos e cuja pesquisa, nos próximos ensaios, será: Onde? Quando? Com que intensidade ouvimos nós este BOOOOOOOUM? Já alguma vez ouvimos? Vamos propor-nos a ouvi-lo? O que vem a seguir ao Big Bang?
O Homem, e aquele paraíso de Torga que está sempre onde o pomos e nunca onde o temos.É caso para dizer: OH MY GOD, Adão enriqueceu de um momento para o outro, Adam is rich now!!! Do paraíso distorcido enquanto passagem de ano, ao paraíso que passou pela tentação, pela serpente, chegamos também ao paraíso da alienação, do riso, do prazer experimentado pela droga, pelo vício, pela necessidade... ou então o paraíso mais simples: o inominável que nos dá vontade de rir. Ao longo deste trabalho fomo-nos apercebendo de alguns elementos que não deveriam acontecer na improvisação (neste processo de criação que procuramos). Ei-los:~

1. FAZER DUAS VEZES É PROIBIDO! (porque esgota, porque já se sabe, porque conhecemos, porque não vamos comentar, porque os sinais estão dados ao público e o público LÊ).

2. NÃO DEIXAR CAIR A BOLA (porque um jogo de ténis não se joga sozinho - item1- e porque só se joga enquanto a bola estiver no ar -item2). O que acontece se a bola cair? Voltamos atrás, apanhamos a bola, e voltamos a dar uma tacada. Tão (aparentemente) simples, não é?
Entretanto, improvisação a dentro, chegamos ao Amor. As crianças são o símbolo do amor, dos anjos, da candura, da doçura, dos quadros religiosos com o verniz meio estalado pela idade... e hoje, qual é a criança de hoje (aparte estes anjos)? Conhecem aquela criança preversa cuja mente é um comboio a assobiar pela noite dentro? Nós improvisamos sobre a criança-mulher, a criança-homem, as crianças que brincam aos doutores e, a bem dizer ao teatro, querendo já procurar o desconhecido e o mistério do outro, e nu outro. Foi importante ter duas mulheres e um homem, pois há um desiquilíbrio dinâmico sempre por resolver. Qual delas é para ele? Qual delas vai dançar na adolescencia? Qual delas vai dar o golpe do lencinho, torcer um pé para que o rapaz a vá ajudar e largue "a outra". Neste jogo de perversidade também o perigo espreita; e quando,numa noite, se mexem as ancas como a Shakira para seduzir para seduzir o «gajo cool», pode ser que a realidade seja um canivete apontado e um jogo de pernas e cintura, e não tanto um vídeoclip.
Em termos técnicos, o encenador (Nelson Monforte) ficou a conhecer-nos mais profunadamente e à nossa especificidade. "Olha o corpo da Alface". "Olha o corpo da Raquel" "Olha o corpo do Nuno" Exacto. Há um trabalho a fazer que tem a ver com a expressão corporal. Com a libertação do corpo. Com o uso de todas as partes do corpo para exprimir o mesmo significado. Não deixar que o corpo do actor seja um braço isolado, uma anca que ficou por colocar, um peito que não voou... mas seja uma expressão própria, "inteira" e ligeira: para que todo o material imaginativo deslize pelo corpo sem impedimentos e empedernidos. E aqui estão as nossas actuais inquietações...Num contágio permanente entre corpos e ideias: o actor transporta a bailarina para um determinado universo; a bailarina empresta a sua mobilidade para que o actor construa. E, ao fim e ao cabo, acabamos por ter um actarino e uma bailactora, que nem teatro fazem, nem cinema, nem pintura, nem música... estão a vasculhar um baú maior que as palavras, mais pulsional e directamente ligado à nossa fonte, a memória: esse baú, digamos, a nossa vida! Corpo: como exprime a vida, a memória de vidas? Voz: como dá corpo à vida, ao eco de vidas? A personagem: meio caminho entre a memória do que somos e a memória do que todos somos.

Vamos andando porque, para a frente, "é o dilúvio".







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